sexta-feira, janeiro 28, 2005

Mais um rascunho

Se te achasses mais longe e menos distante, acreditaria nos versos daqueles que não conheço. Saltaria essas frases mais redundantes e secas de conteúdo, cheias de poucos significados, recheadas de coisas não amargas, não doces, não nada! Não faltaria imaginação, gestos espontâneos, arrepios na espinha, mantos e firmamentos. Se a tinta não se evaporar ou diluir nas madrugadas de orvalho, arriscarei a dizer-te tudo, letra a letra, para perceberes porque "está o céu mais azul", de que cor são as lágrimas, porque gira o mundo, porque nascem, porque morrem as estrelas... De dentro vêm sintomas de frio. Chovem borboletas, do mais complexo e colorido, algo tão simples de sentir, algo tão complicado de explicar. E, mesmo assim, não me quebro ou multiplico, não me escondo ou revelo, não me fico ou movimento...não nada...

terça-feira, janeiro 25, 2005

Milene...

O espectáculo acabou. As luzes apagaram-se. A animação terminou. Ausentaram-se os povos, de volta às suas casas. Excepto tu, embebida na tua dor, cruel, devastadora dor que te assola o interior e te revolve as entranhas. Apertas o coração nas mãos mas não as sentes mais porque congelaram de pavor e só as lágrimas quentes dos olhos quentes derretem o gelo que as reveste. Vejo-te aí, de mãos na terra, de costas no muro, visão tão dolorosa que revela a tamanha impotência para te ajudar. Mordo os dedos para que não me vejas a sentir não o que sentes mas um pedaço (bem pequeno ao pé da tua dor). Os corações partem-se em puzzles, não há abraços no mundo que te possam ajudar. Sabes que não estás sozinha, que as nossas mãos são as tuas. Que sofremos contigo, que te acompanhamos sempre...

segunda-feira, janeiro 17, 2005

De ti...

De ti emana esse aroma tão teu, tão profundo nos olhos rasgados e no sorriso com que plantas as manhãs. Reduzes a matéria ao dobro, dos aneis à superficie. Não me revejo em ti porque em ti tudo é maior. Multiplicam-se as vertigens em cada passo que dás, em cada toque (o muito subtil toque, movimento inverso de quem espera ou teme), nas pernas que se cortam para nascerem as asas. Que se invente léxico suficiente para descrever essas coisas tão simples e banais que serão, quiçá, as mais genuínas e sentidas, do coração ao prato (esse que é o mais assíduo dos consumidores, o mar onde tudo nada mas nada desagua). Assim se dobram ossos, uns mais que outros. Porque nem o coração tem ossos e também ele é profundo e maior, sorri, espera e teme, tem vertigens e aromas e é simples e banal e movimenta-se, a partir dos seus aneis, e descreve, tão pouco mas sentido, as dobras dos seus ossos...

sexta-feira, janeiro 14, 2005

...

São as noites que me derretem! A dormir sou muda e não me exalto em cobardia. Desfaço-me em vontades profundas e sem género e deleito-me perante tanta certeza de que tudo flui. Somos vivos, cheios de chuva e lápis de cera! Os cortes não são profundos, os risos expandem-se em saliva e bocados de amor. A lã é lilás com pedaços de retalhos e riscas e bolhas de sabão azul! E o ar contraria as esferas e os movimentos, e as nuvens chovem postais e caricas. Somos asas de carne e sangue e linfa, o corpo é gelatina e amoras e cheira a noites de luar! E os beijos são reais e presentes, diferentes! Até que acordo... e tu ficaste lá...

sábado, janeiro 08, 2005

Capicuas...

Rendo-me aos pequenos nadas que mudam todos os dias a iris dos olhos. Não falo de retinas ou capilares, não me gasto ou perco em descrições de frivolidades e de características tão comuns e passageiras. Já nascem sorrisos: nascem de poros outrora entupidos, rebentando o magma, fugindo à espécie, sendo genuínos e virgens mas não inocentes. Se despindo e partindo esta casca sempre tão dura e pesada me atrevesse a ser aquilo que invejaria num outro, se assim me revoltasse contra algo que penso nem existir mas que me tolda a alma, ou parte dela (a parte maior, desconfio); se mesmo assim não nos encontrasse nesses nadas que mudam a iris, nas zonas mais reconditas e camufladas de tantas noites em branco, sonhos que acordam quando já nada mais há para dormir; se tal medo fosse o alimento de corpos sãos e mentes loucas, talvez, num olhar mais rasgado e quente que os outros (os outros, aqueles que nunca se enganam e dominam o coração) eu me perdesse para que tu te perdesses e o vão da coisa seria a bússola, vã e tão perdida como eu, num outro dia qualquer...



"Rir pode ler-se ao contrário"

quarta-feira, janeiro 05, 2005

É nos mais vagos, nos mais lentos, nos mais estranhos, às riscas ou cinzentos, inodoros e efémeros momentos que me encontro na confusão dos dias, nas incertezas das horas, nos lados mais escuros, opacos, fundo dos meus contrários e inversos...