sexta-feira, julho 30, 2010

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as miúdas - i. amanda palmer

branco dum raio!




confesso que os 200 metros me fizeram largar uma pinguinha na cueca

a culpa no mundo

A mesma história. Porque eu existo. Poderei fingir que não existo? Apago-me do mundo, apago a minha cara e a minha voz, apago os meus traços, nada se modificou; há apenas no meu lugar uma pequena rasura inofensiva. Hélène já não é prisioneira de um amor infeliz, Madeleine não se fará matar em Espanha, a terra será aliviada deste peso que estira as suas fibras secretas, que as faz vibrar, estalar em lugares imprevistos. Apagar-me, deixar de ser.
E no quarto, cheirando a insecticida, encontrar-se-á de manhã um cadáver opulento atulhado de cocaína.
A luz derramou-se sobre mim. Tu não te apagarás. Ninguém decidirá por ti, nem mesmo o destino. O destino dos outros és tu. Decide. Tens esse poder: uma coisa que não existia surge subitamente, sozinha no vazio, repousando apenas sobre ti, e contudo separada de ti por um abismo, lançada por cima do abismo, sem outra razão para além de si própria, cuja única razão está em ti.
Não quero. Já não quero. Fazem-nos trabalhar na neve só com uma cobertura de pano e alpargatas nos pés. E nós dizemos: «Bom. Não podemos fazer nada.» Mas se o prédio explodir, que bela colecção de cadáveres! Há em qualquer parte uma mulher que dorme; conseguiu por fim adormecer enquanto pensava: ele não fez nada, não será ele. E amanhã à noite será ele. Por minha causa. Apagar-me. Deixar de ser. Mas ainda que me mate continuarei a ser. Serei um morto. Eles continuarão amarrados à minha morte e esse vazio subitamente aparecido sobre a terra fará vibrar e estalar mil fibras imprevistas. Berthier tomará o meu lugar; ou Lenfant. Serei ainda responsável por todos esses actos que a minha ausência terá tornado possíveis. Alguém dirá a Laurent: «Vai. Não vás.» Será a minha voz. Não posso apagar-me. Não posso retirar-me para dentro de mim. Existo, fora de mim e em toda a parte do mundo; não há um palmo do meu caminho que não desemboque no caminho de outrem; não há nenhuma maneira de ser que me possa impedir de extravasar de mim a cada instante. Esta vida que teço com a minha própria substância oferece aos outros homens mil facetas desconhecidas, atravessa impetuosamente o seu destino. Ele acordou, aguarda. «Esquecer-me-ão.» A sua vida está diante dele, tão vasta. E eu estou ali, junto de ti que eu matei, carrego as espingardas que vão assassinar outrem amanhã. Não. Não quero. Renunciemos. Renunciamos, curvamos a cabeça; e além, no fundo do futuro, por cada gota de sangue que poupámos, todo esse sangue. Continuemos...
Renunciemos, continuemos. Decide. Decide já que estás aí. Tu estás aí e não há nenhuma forma de fugir. Até a minha morte me pertence só a mim.


Simone de Beauvoir - Le Sang des Autres

quarta-feira, julho 28, 2010

.:¨.

o vazio que existe
não é o sexo em riste

não é o bulcão o anonimato
basta-se a si
é um autómato que sangra
um prato carcomido
num recessivo espaço
autófago ilimitado

digo que faço e aconteço
mas ateia
que agora teço
dá-me mais do que mereço
é um prémio de consolação
por falta de comparência

o vazio que existe
é uma canção triste

é um espelho côncavo sem prata
basta-se a si
a despedida é o bem desnecessário
que se queria ao contrário
o canal de teste em que se sustenta
é um minuto obsceno

um seno imundo
em que o vazio me contempla

domingo, julho 25, 2010

verborreia domingueira ou outra coisa qualquer

a casa é um banco manco
onde me sentava nas tardes de inverno
no lar do não muito lar
em que esperava que o meu avô
soubesse dois dedos da minha cara
mas da trombose à testa
poucos dedos são os que sobram
se não presencialmente
ao menos na senda da mobilidade
mas se o cérebro é desprovido de vontade
dois dedos são gastos na barbearia
ou na barbárie da lâmina na cara
e a minha
menos provida de superfluidade capilar
não foi tocada
ou reconhecida
tão menos que um cacho de bananas
bodas de ouro desfocadas
apenas focalizadas para a missão
o destino cumpre-se
o papel assinado
seis sobremesas enfardadas pelo abade
e eu a não saber
que a família é o eterno jugo
sem uma ponta de sobriedade
ébria nas pontas
e feitas as contas
nem a heráldica nos vale
nada nos vale
se nem esse vale
de pedra
de febre e segredos
de fendas e cubos e tiras
de um coração só remendado
cosido à pressa
escalfado à pressa
a linhas rombas
e já só fica a excisão social
e um manco banco em que ninguém se senta
não vá a teoria lunática do alemão
consagrar a tumba precoce
matas-te
não te matas
o destino é assinado
faça chuva
ou faça bruma

quarta-feira, julho 21, 2010




terça-feira, julho 20, 2010

às vezes

as noites são gatos embalsamados
montinhos pardos abandonados
à nascença

no nexo amoral da saudade
encabeçam a guerrilha da penúria
mas quanto não valem
dois bichanos esborrachados
no asfalto oblíquo da virilidade
dois ou três
talvez

na praça

já ninguém nomeia os gatos
são grãos de peste
linguarejo agreste

quando aperta a hora do telhado
nem mares de gente
nem um soalho
valem a espinha
ou a sardinha
numa ombreira rente
ou na janela
da cozinha
desocupada
embora às vezes
trancas à porta
porta truncada

nunca mais é nunca mais!

terça-feira, julho 13, 2010

RAPA-ME!

RAPA-ME, MEU AMIGO!

quinta-feira, julho 01, 2010

a de acidente

vai lá procurar a origem
de seres mais que ombros e solfejos
e investe na ilusão

o engodo é o mal menor
se pensar que o teu denodo
é a canção que faz frio

das coisas do coração

dá-lhe para afunilar
e foge.